21 abril 2018

A Suprema


                                                                   Mary quando jovem.



A minha amiga Mary Delaware é Juíza da Suprema Corte do Condado de Brunswick, nos Países Altos da Nova Escócia, não sei bem onde isto fica, mas creio que deve ficar bem ao lado dos Países Baixos da Velha Escócia. Mais exatamente entre a Rocinha e o Vidigal.

A última vez em que falei com Mary Delaware ela se queixava muito dos processos que chegavam em suas mãos e das decisões, das sentenças que tinha que proferir. Eram processos os mais variados. Ela estava revoltadíssima. Ela me dizia:
-Eu ganho uma miséria. Coisa de trezentos mil euros por mês, isso não é nada, isso é uma merreca, não dá nem pra auxílio moradia. E eu tenho mais o que fazer na vida. A minha cabeleireira só tem um dia na semana em que ela pode me atender para reformar a minha mecha. ( Vale dizer que ela tem uma linda mecha no cabelo. )  A minha manicure só me atende às terças feiras; o meu ginecologista indiano só às quartas feiras... sim, eu tive um prolapso de útero quando visitei a Penitenciaria do Condado ... eu tenho a semana toda ocupada e essa gentalha pensa que eu tenho tempo pra ficar lendo, julgando, emitindo sentenças...ora! Me poupem!

E ela continuou - Há casos insolúveis, impossíveis de serem julgados. Por exemplo: uma mãe me pede que libere um medicamento importado para o filho que tem uma doença degenerativa. Como se o Tesouro do Estado pudesse gastar dinheiro com doença de criança, ora, que é isto? Deixa a vida seguir. Cumpra-se a vontade de Deus! Como eu sou cristã coloquei no fim da sentença: Tenha Fé!

Num outro caso uma mulher grávida que ainda tem três filhos, cada um com um marido diferente, pede que deseja cumprir a sentença em prisão domiciliar, só porque ela está grávida e tem três filhos. Imagina se a gente for libertar todas as grávidas que estão presas?  Além do mais esse tipo de gente é capaz de fazer filho na penitenciária só para engravidar pra ganhar a liberdade. Mas...como eu sou progressista escrevi na sentença: “Lembre-se de quantas crianças nasceram em Campos de Concentração Nazista da Alemanha e nem por isso deixaram de se tornar Homens de Bem. 

Num outro caso uma senhora de 96 anos solicitou um habeas corpus, ou um novo julgamento, por ter sido condenada a 4 anos por ter roubado um pacote de manteiga. Ora, minha senhora: tenha pudor! Na sua idade já deve saber que 100 gramas de manteiga roubada é crime tanto faz ser 100 gramas de manteiga como ser 1200 gramas de cenoura. Taquei-lhe a sentença máxima para aprender e para servir de exemplo: quatro anos de cadeia. E porque eu condenei a quatro anos? Porque sou uma pessoa do Bem,  tanto que escrevi ao final da sentença: quatro anos com noventa e seis são cem. imagine a alegria da sua família no dia da sua saída da Penitenciária, justo no dia do seu centenário, todos cantando parabéns, com doces e balas para a senhora!

Há também o caso de um carvoeiro nojento que foi acusado do roubo de dois patinhos e foi condenado a doze anos de cadeia. Ele recorreu. Ele só quer ser preso depois de ter recorrido e perdido na última instância. Eu escrevi :o que o senhor está pensando que isto aqui é? Uma linha de trem? Que vai julgando de estação em estação até a última estação...não acaba nunca?! Pare com isso, meu senhor, o Tribunal não é uma agência de turismo. Não! Pode parar! Pode parar por aí mesmo, na sua estação, na que nós estamos. Desce ele algemado e já manda pra cadeia. Vai roubar dois patinhos na casa do cacete!

E para cúmulo, veja você,  uma mãe me pediu que condenasse um policial que havia assassinado um adolescente num auto de resistência. Procurei saber! Procurei saber! Abri um inquérito: morava onde este pequeno criminoso? Num cortiço! Era branco? Caucasiano? Não! Ora, essa gente é toda perigosa ...o pobre do policial estava em serviço, apenas se protegendo, porque ele é um ser humano, ele tem família, ele tem filhos...ele ganha uma miséria. Aí sentenciei para a mãe: Indeferido. A senhora por acaso é policial? Não é! Sabe o que é ser um policial? Não sabe! E muito provavelmente o seu filho se meteu na frente da bala, ele é o culpado pela própria morte. Essa gente pobre adora se jogar na frente de bala. E finalizei a sentença de forma magistral:  Se não está satisfeita vá se queixar ao bispo! Pois não é que esta safada desta mãe entrou com embargo perguntando: qual bispo?

- Qualquer um minha senhora. O primeiro bispo que a senhora encontrar vai lá se queixar. Eu não tenho nada a ver com isso. Passe muito bem!

Aí, nesse momento, meus amigos, a competente operadora deixou cair o sinal de rede e não nos falamos mais – Mary e eu -  mas terminei a conversa com a clara sensação de que Mary Delaware,  Juíza da Suprema Corte do Condado de Brusnwick nos Países Altos da Nova Escócia é realmente uma juíza exemplar e justa. Daqui mando um abraço:

 -Um abraço, Mary! Sua mecha está linda!

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